quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Do Modo Certo

Na tarde anterior, antes de saírmos para a capital, eu o puxei para fora da cocheira, chamei a Annie e fiz questão de mostrá-lo. Ele estava deslumbrante, forte, saudável, calmo como sempre. Um cavalo maduro, com o qual havíamos dividido os últimos 11 anos de nossas vidas. Aquele no qual confiávamos deixar montar nossos filhos, e sonhávamos ver seus filhos crescerem junto com os nossos.
Na manhã seguinte fui chamado as pressas de volta ao Rancho. Ele não estava bem. Cheguei logo após o veterinário. Com a esperança de que aquele animal jamais havia sofrido de qualquer doença, assisti cada tentativa se esvair e a noite chegar. Desenganado, deixei-o no seu piquete, na esperança de voltar mais tarde e vê-lo recuperado. Mas ao voltar, só pude ver o sofrimento se estendendo. Sua mente torpe, lidava com a dor há 12 horas. Ainda se levantava por si, mas ao deitar, deixava-se cair sem forças.
Ali com ele, em todo aquele sofrimento, concretizavam-se meus sonhos de menino. Tangibilizados à flor da pele e ao cheiro do suor, naquela noite quente e solitária. Chorei como um garoto, esperei em vão o inusitado, e a cada suspiro, cada nova tentativa, esperimentei o gosto da vaidade se desmanchar na boca. A certeza, em meio á tantas dúvidas, se fez presente. Tomei-lhe um punhado da crina, me despedi e deixei-o ir. Se fez a paz. Fiquei por ali. Dando-me o tempo para reorganizar por dentro. Olhando as árvores, escutando o silêncio.
Todo mundo que gosta e vive com cavalos tem uma história semelhante para contar. Uma história que eu sempre achei exagerada, dramatizada, extra-carregada de significados e fantasias. Confesso que sempre as banalizei. Hoje sei bem de onde elas nascem. E diferente do que eu acreditava ser a sua fonte dramática: as projeções individuais de nossas carências e frustrações sobre estes animais, descobri que é na hora em que elas se esvaziam que nos resta a chance de entender que ali está um ser, cuja vida inteira viveu ao largo daquilo que projetávamos nele. E que por mais íntimos que tivéssemos sido, eu o descobriaria como talvez nunca o tivesse entendido. Tão simples e derradeiro, como descobrir a si mesmo. De forma que... nunca mais nos separaríamos.

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